Wednesday, March 25, 2009

O Alienista tinha Razão: O Cientista tem Loucura

Por R J Reed
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O Alienista tinha Razão: O Cientista tem Loucura

Na cidade de Rio de Janeiro, a então capital do Brasil, nasceu Joaquim Maria Machado de Assis em 21 de Junho de 1839. Este filho de pintor mulato e lavadeira portuguesa viria a ser conhecido como a mais importante figura literária do Brasil. Assis era apaixonado por livros, os de ficção em particular, e aprendeu Latim e Francês em troca de serviços de rua. Embora sua educação tenha sido escassa, teve alta posição no Ministério dos Transportes e foi honrado com o cargo de primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras, o qual manteria até morrer em 1908. Ele se casou com Carolina Xavier de Novais, com quem não teve filhos mas ainda assim estava feliz. Ao final da carreira literária assumiu estilo realista e, nesse, utilizou uma sutil ironia, “com a qual ele explora a mediocridade encontrada entre alguns membros da classe média-alta que, enquanto desfrutam de todos os benefícios de saúde, riqueza e educação,” não fazem contribuição ao melhoramento da sociedade (Williams 140). É com essa mesma ironia e sátira que Machado de Assis escreveu O alienista.

Tem sido dito que O alienista trata de uma fruta - é verdade - também contem muitos outros elementos e o alienista acaba saindo certo com sua final definição da loucura. A estória inicia em Itaguaí próximo da capital Rio de Janeiro com o cientista Dr. Simão Bacamarte. Constrói um asilo, a Casa Verde, onde encarcera todos os loucos da comunidade a fim de curá-los. A partir de então a sátira se manifesta: o alienista prende pessoas consideradas normais pela cidade e, pouco a pouco, encarcera quatro quintos de toda a população de Itaguaí, inclusive a própria mulher. Bacamarte descobre que sua teoria, a de que “a razão é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades; fora daí insânia, insânia e só insânia” (Assis 11), é errada, substituindo-a com nova: de que “se devia admitir como normal e exemplar o desequilíbrio das faculdades” (Assis 35). Ele pôs à rua todos os presos e inicia sua busca dos com perfeito equilíbrio das faculdades. Logo descobre que ninguém menos ele possui esta perfeição mental. Então, para o avanço da ciência, ele se prende na Casa Verde para se curar. “Dizem os cronistas que ele morreu dali a dezessete meses no mesmo estado em que entrou, sem ter podido alcançar nada” (Assis 43). Com sua grande sátira e as mudanças de teoria do alienista, Machado de Assis faz uma grande crítica dos cientistas e positivistas do Brasil, demonstrando que sua loucura era a maior de todos.

Com suas teorias, o alienista cria quatro ‘ordens’ na sociedade de Itaguaí; cada ‘ordem’ representa grupos na realidade do Brasil e por meio desse simbolismo, Assis demonstra quanta loucura contêm as teorias e idéias dos positivistas e das elites.

Maior Ordem: “O personagem principal, o médico alienista Dr. Simão Bacamarte, torna-se, portanto, o símbolo da ciência e da maneira racionalcientífica de pensar o mundo” (Souza 90). O próprio alienista, representante da ciência e da moderna iluminação, encontra-se na maior ordem - é equilibrado perfeitamente. A maior ordem corresponde aos cientistas, positivistas e aos eugenistas do Brasil. Vem da raça ‘superior’ e parecem ter toda a razão. Este grupo acaba tomando o lugar da maior desordem.

Ordem: Os vereadores conseguem escapar o alcance da primeira teoria de Simão Bacamarte - chegam próximo da grau de equilíbrio do cientista. Eles, junto com oficiais do governo, simbolizam as elites do país: são brancos e ‘superiores’ às raças ‘inferiores’. Tanto o grupo de maior ordem como o de ordem representam um quinto da população brasileira. Eles tomam o lugar da desordem.

Desordem: São eles os barbeiros e outros da comunidade que percebem algo errado com a forma de que o alienista escolhe seus prisioneiros - acham-se com algum desequilíbrio das faculdades. Representam na sociedade brasileira uma grande porção da população: os que são de raça misturada e classe média e não se encaixam entre determinados limites. Eles acabam trocando lugares com o grupo da ordem.

Maior Desordem: Como os menos equilibrados, os verdadeiros loucos são os primeiros encarcerados pelo grande cientista pois são muito desequilibrados. No Brasil, os negros, índios e a classe mais baixa são representados pela maior desordem. Juntos, os grupos de desordem e maior desordem constituem quatro quintos do Brasil. Este grupo troca com o da ordem.

No decorrer do livro, observa-se como a definição da loucura ou, como no caso do Brasil, da inferioridade racial do grande cientista abrange mais e mais gente da população. Quando os eugenistas propunham suas teorias, algumas começaram a se aproximar dos mulatos e de outros na sociedade brasileira que compunham a maioridade. Alguns destes, inclusive mulatos, rebelaram-se e tentaram se colocar em posição mais alta na sociedade, correspondendo aos barbeiros e outros do povo que tomaram o lugar dos vereadores no governo. Esta troca também prediz outra troca de teoria: mais tarde o alienista, ou eugenista, decide que os de desequilíbrio são os ‘normais’ e os com o “perfeito equilíbrio das faculdades mentais” padeciam da loucura (Assis 37). Ao soltar os quatro quintos e mudar sua teoria até incluir somente ele próprio com ‘louco’, Assis, por meio do alienista, demonstra que os únicos loucos no Brasil eram os cientistas e, mais especificamente, os eugenistas.

Com isto também demonstra que de todos, os eugenistas eram os mais animalescos de todos: “Ao trancafiar a própria esposa, impondo ao miúdo sentimento de amor os compromissos para com a ciência, o Alienista já se encontra além dos limites daquilo que é simplesmente humano. E terá sido este um dos limites entre razão e loucura que não lhe ocorreu investigar” (Gomes 159). É esta a idéia que os positivistas deixaram de investigar: a verdadeira definição da humanidade. O alienista revela a grande ironia da questão eugenista, que é ainda mais desumano tratar de seus semelhantes como animais.

A crítica de Assis se extende ao fanatismo dos eugenistas com que eles abraçam toda nova idéia. “O que Machado mira, por detrás da hipocrisia humanitária do positivismo, da sede de esgotar as razões do universo e da vida humana, é a insânia do exercício de poder inerente à concepção de conhecimento . . . que a razão e a ciência positivistas enaltecem” (Gomes 153). Diz Assis que tanto as idéias como a natureza zelosa com que os cientistas seguem sua ‘religião’ são loucas.

A razão faz parte das caraterísticas humanas, mas a possuir à exclusão de todas as outras é insânia. Ao procurar uma esposa, o alienista somente tem uma coisa em mente e a explicou: “reunia condições fisiológicas e anatômicas de primeira ordem, digeria com facilidade, dormia regularmente, tinha bom pulso, e excelente vista; estava assim apta para dar-lhe filhos robustos, sãos e inteligentes” (Assis 1). Durante o livro o grande homem nunca mostra afeção nem caridade para com a mulher; ela “não passa de um apêndice necessário apenas à reprodução biológica” (Gomes 154). Demonstra como a razão tem consumido o cientista até se tornar “frio como diagnóstico, sem desengonçar por um instante a rigidez científica” (Assis 16).

A sátira do livro não se direciona somente aos cientistas. A ciência sempre representava a razão e o progresso e em Itaguaí não foi diferente: “A ciência que chega é bem recepcionada, como foi recebida na Europa saída da Idade Média, a promessa iluminista de dar conta das aflições humanas, com soluções puramente humanas” (Souza 90). Machado de Assis também critica os cidadãos que cegamente aceitam tudo que a ciência diz.

No século XIX, Machado de Assis percebeu que “a ciência se isola e passa a ser arma na mão daqueles que têm acesso a suas premissas” e decidiu usar seu grande talento de sátira para promover suas idéias (Matedi 10). Com seu livro O alienista, o personagem principal e grande ironia, Assis demonstra que os mais loucos e menos humanos, são os próprios cientistas e eugenistas que alegam ter toda razão.

Obras Citadas:

Assis, Machado de. O alienista. São Paulo: FTD, 1994. (Grandes leituras). Gomes, Roberto. O Alienista: loucura, poder e ciência. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 5(1-2): 145-160, 1993

Matedi, João Paulo. CIÊNCIA: – “A VERDADE SOU EU!” (ACERCA DE “O ALIENISTA”). REEL – Revista Eletrônica de Estudos Literários, Vitória, a. 3, n. 3, 2007.

Souza, Jaime Luiz Cunha de. RACIONALIDADE MODERNA, CIÊNCIA E LOUCURA Especulações sobre O Alienista de Machado de Assis. Trilhas, Belém, ano 4, nº 1, p. 85-94, jul. 2004

Williams, Frederick G. Poetas do Brasil: uma seleção bilíngüe. New York, New York: Luso-Brazilian Books, 2004.

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