Saturday, March 28, 2009

Uma Ovelha Só: Janela ao Barroquismo

Por R J Reed
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Uma Ovelha Só
Gregório de Matos nasceu em 1636 na Bahia e morreu em 1696 em Recife. Começou os estudos com padres jesuitas e assim se expôs a um conhecimento religioso. Formou-se em Direito na Universidade de Coimbra em 1661. Ele foi autor de bastante composições satíricas que criticavam várias pessoas, a sociedade e a política. Apesar de receber o apelido “Boca do Inferno,” Gregório de Matos também escrevia poemas religiosos. (Fitzgibbon 57). Referindo ao poema “A Jesus Cristo Nosso Senhor,” ele é até chamado de “Boca do Céu” por Sandro Zanon (Zanon 1). Ainda que muitos poemas de Matos criticam a religião, ele não era descrente. Mas era bem informado da hipocirsia do clero (Zanon 9). Nesse mesmo poema, acima mencionado, Matos fez uso de várias características barrocas, como cultismo, conceptismo, teocentrismo e linguagem rebuscada.

Noções de versificação:

1 Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,
2 Da vossa alta clemência me despido;
3 Porque, quanto mais tenho delinqüido,
4 Vos tenho a perdoar mais empenhado.

5 Se basta a vos irar tanto pecado,
6 A abrandar-vos sobeja um só gemido:
7 Que a mesma culpa, que vos há ofendido
8 Vos tem para o perdão lisonjeado.

9 Se uma ovelha perdida, e já cobrada
10 Glória tal e prazer tão repentino
11 Vos deu, como afirmais na sacra história,

12 Eu sou Senhor, a ovelha desgarrada,
13 Cobrai-a; e não queirais, pastor divino,
14 Perder na vossa ovelha, a vossa glória.

(Gregório de Matos)

Cada verso do poema contem doze sílabas (Alexandrino). A rima dos dois quartetos segue esse padrão: ABBA ABBA (Cruzada); por exemplo, nos versos 1/4 - pecado/empenhado, 2/3 - despido/delinqüido, 5/8 - pecado/lisonjeado e 6/7 - gemido/ofendido.

A rima dos tercetos segue esse padrão: CDE CDE; por exemplo, nos versos 9/12 - cobrada/desgarrada; versos 10/13 - repentino/divino; versos 11/14 - história/glória.

As rimas dos versos 1/4, 5/8 e 6/7 são ricas porque fazem uso de uma combinação de verbo/adjetivo e substantivo/verbo. As dos versos 2/3, 9/12, 10/13 e 11/14 são pobres. Nesses, se usa uma combinação de verbo/verbo, adjetivo/adjetivo e substantivo/substantivo.

O poema faz uso de várias figuras de linguagem caracterizadas pela época de Barroco. O poema é bem estruturado com dois quartetos e dois tercetos. Como se explica nos parágrafos anteriores, as rimas e sílabas são bem trabalhadas, mostrando uma valorização da forma (cultismo). As palavras que se usam são muito lindas, o ritmo parece uma petição a Deus, e Zanon disse, “se esse poema fosse pregado como um sermão nas igrejas, surtiria mais efeito do que muitos sermões vazios e pedantes que ouvimos muitas vezes” (Zanon 8). Observa-se que, nesse poema, Gregório de Matos valorizou o conteúdo (conceptismo). No centro dessa mensagem se encontra Deus - Matos referiu a Deus na primeira e última estrofe como “Senhor” e com “vos” ou “vosso(a) mais nove vezes, quase dá uma referência por verso! Matos mostra bastante respeito, tanto com o uso dessas palavras como o uso de “pastor divino” e “vossa alta clemência.” Assim é que ele utiliza teocentrismo. O poema faz uso de pelo menos seis hipérboles e “eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada” é uma metáfora. “Da vossa alta clemência me despido” também é uma metáfora (Zanon 7). Lemos no ensaio de Zanon que nos primeiros oito versos há uma repetição da vogal “o” - que dá a idéia de suplicação, depressão e melancolia. Do nono verso em diante há uma repetição da vogal “a” - que dá a idéia de alívio, alegria e sentimentos positivos (Zanon 8). Tudo isso demonstra que Matos se esforçou para usar uma linguagem complexa e rebuscada, mas fácil de ler, ‘sentir’ e entender.

As palavras, rimas, ritmo e figuras de linguagem dão o sentimento de reconciliação com Deus. Gregório de Matos, como todo ser humano, havia pecado caído de Deus. Ele procurou mostrar como ele mesmo se sente ao buscar perdão de Deus. Esse poema faz parte das composições reverentes e espirituais de Matos.

O poema “A Jesus Cristo Nosso Senhor” é fiel ao estilo barroco. É uma janela ao coração de Gregório de Matos e demonstra que ele possuía sentimentos de culpa, de perda, de afastamento de Deus - como nós.

Obras Citadas:

Fitzgibbon, Professora Vanessa. Introduction to Luso-Brazilian Literature. 2007

Zanon, Sandro. UMA ANÁLISE DO POEMA BARROCO E UMA APOLOGIA AO INEXCEDÍVEL GREGÓRIO DE MATOS, SOB O PRISMA DA ARS GRATIA ARTIS.

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