Thursday, March 26, 2009

Um Momento Inédito: O Documentário

Por R J Reed
Se estiver procurando outro artigo que não seja o de baixo, encontra-lo-á no blog archive.

Um Momento Inédito: O Documentário
Robert Drew, fundador do anual festival É Tudo Verdade, e criador do cinema direto, conta que, quase sessenta anos atrás, enquanto assistiu um programa na televisão, ficou com sede. Ele foi à cozinha, satisfez-se, e voltou. Ao sentar-se ele percebeu que, enquanto não assistindo o programa, a trama lhe estava ainda clara pelo som. Abaixou o volume e descobriu que, sem as imagens entendia tudo, mas sem o som não entendia nada. “Pensou lá consigo: ‘Ainda não descobriram a televisão. Continuam fazendo rádio’” (Salles 28). Assim nasceu o cinema direto.

O documentário tem como objetivo capturar a realidade, na sua esfera, com a mínima interferência possível - pelo menos isto é o objetivo do cinema direto. Quando alguns documentários preferem narrar a cena, “o cinema direto não pode fazer isso. As regras proíbem. O jeito é prestar atenção, esperar, intuir” (Salles 32). Quando não há roteiro nem locução, “quando não se tem mais os expedientes narrativos clássicos do documentário, a saída é observar as coisas atentamente na esperança de flagrá-las no momento em que acontecem” (Salles 32). Quando se quer fazer bom documentário, isso basta - mas se o cineasta quer agarrar a atenção do mundo e mudá-lo para o bem? Esse documentarista, ao lançar sua obra, precisa de duas coisas - no mínimo: que milhares de pessoas assistam suas idéias, e que o filme ganhe o dinheiro suficiente para gerar outra produção. Isto levanta a grande questão: Como?

Nos tempos recentes, com os lançamentos de novos documentários, uns notáveis feitos por Michael Moore e Woodstock, “alguma coisa extraordinária aconteceu: os documentários tornaram-se tão quentes, populares e comercialmente bem-sucedidos quanto, se não a maioria dos filmes-pipoca, pelo menos seus primos mais próximos” (Bahiana 24). Como chegou até esse ponto? Drew, ao iniciar o movimento de cinema direto, não esperava certos desafios, especificamente o da tecnologia disponível. Sua primeira tentativa “fracassou sensacionalmente.” Ele descobriu que a quantia de equipamento requerido para filmagem estranhava os sendo filmados de tal maneira que não conseguiam atar naturalmente enquanto sendo filmados (Salles 28). A tecnologia tem dado centenas de passos de então até hoje, e quando as câmeras digitais se baratearam, “o número de documentaristas se multiplicou” (Trindade 24). Não houve somente aumento no número de documentaristas, mas aumentou também a qualidade de suas obras.

Problema contínuo para o documentarista é dinheiro. Os documentários de hoje são muitos, e de alta qualidade, mas não alcançam o público suficiente para gerar os fundos necessários para futuras produções. Ônibus 174 serve como exemplo. O filme foi bem recebido em cinemas internacionais - mas falhou na bilheteria, ganhando cerca de US$ 220 mil. “O que faltou? ‘Mais materiais adequados de marketing e uma verba razoável para divulgação” (Bahiana 27). No mundo de cinema o documentário luta com o bruto da ficção Hollywoodiana, e, na contenda de dinheiro, perde.

Para conseguir maior audiência, o documentário precisa, como supramencionado, materiais adequados de marketing; porém, precisa também de um público pronto pela realidade.
O público é, na verdade, pronto e já manifesta tal. Mark Valen, da rede de cinemas de arte de Landmark, falando do crescimento do documentário, disse, “Eu atribuo isso, de certa forma, à TV, não pelo que mostra, mas pelo que ela deixa de mostrar. Pelo menos aqui nos Estados Unidos quem vê o noticiário se sente logrado” (Bahiana 27). Além do noticiário, passa-se tanta história fictícia que o observador ânsia pelo real. Isso se vê nos shows de Reality TV que passam. Desse assunto, Walter Salles disse, “O conflito social sofreu tal aceleração que a ficção não está conseguindo registrar o que acontece nas ruas. Está sendo ultrapassada, constantemente, pela realidade. Já o documentário, não” (Bahiana 27). Hoje, o documentarista tem como alvo “um público cada vez mais acostumado com o documentário exibido na TV por assinatura e nas grandes reportagens televisivas” (Trindade 24).

A verdade choca. A realidade não agrada; ofenda. Não tem como ‘sugar coat’ o presente - ou tem? Inicialmente, documentaristas tinham dificuldade em criar produção com que seus observadores se pudessem relacionar, ou que capturava o interesse das massas. Um equilíbrio entre a realidade a o entretenimento viu-se necessário. Um ótimo exemplo dessa mistura é o filme Cidade de Deus, que conseguiu alcançar milhões enquanto retratou de verdadeiras pessoas e circunstâncias de vida. De acordo com Darién Davis:

Cidade de Deus avoids didacticism. Meirelles’s film production team has managed to create a hip urban document without taking a moral stance. In fact, the violence is often presented in matter-of-fact style. Cidade de Deus presents us with a number of disturbing images and stories about life in Brazil, but some of the scenes are still sanitized (1684-5).

Fernando Meirelles continua usando o mesmo estilo para ganhar o interesse estrangeiro e ainda divulgar questões sociais. Falando de seu projeto, O Jardineiro Fiél, explica que a trama trata de um “diplomata do governo britânico em missão na África que, após perder a mulher . . . mergulha em perigosas relações para desvendar a morte dela,” enquanto à busca, descobre muito com respeito à corrupção de governos e corporações (Mota 32). Cidade de Deus dá passos importantes para o sucesso desse novo estilo. O filme contem ângulos e efeitos cinematógrafos que capturam a atenção do observador, e mantém a sensação realista por seus elementos documentários. Mantendo esse equilíbrio será importante para que os futuros filmes sociais brasileiros tenham sucesso e eficácia entre a maior parte da população.

O mundo de hoje está sempre evoluindo e mudando, e ou se adapta ou se perde. O movimento do documentário já uniu-se com novos elementos tecnológicos, e elementos ‘Hollywoodianos’ para criar algo que o público deseja. “Ou seja: mudou o mercado, mudou o público, mas também o documentário. ‘O que temos agora é o ensaio cinematográfico, um gênero mais digerível” (Bahiana 28). Com o novo fervor do documentário, a realidade de cada canto do mundo será transmitido na tela de todos. Fernão Ramos, autor da Enciclopédia do Cinema Brasileiro disse, “hoje se está habituado à imagem ao vivo, à transmissão direta da história. A imagem do mundo é a do documentário. No cenário internacional, vive-se um momento inédito” (Trindade 24).

Obras Citadas

Bahiana, Ana Maria. Os Hot Docs E A Pipoca. Bravo! pp. 24-28

Davis, Darién. Review. The American Historical Review, Vol. 107, No. 5 (Dec., 2002), pp. 1684-1685

Salles, João Moreira. Sobre Senadores Que Dormem. Bravo! pp. 28-32

Trindade, M., Gurgel, T. O Boom Dos Documentários. Bravo! pp. 22-24

No comments:

Post a Comment